05 janeiro, 2010

Cronograma Histórico das Bruxas


a.e.c = antes da era cristã
d.e.c. + depois da era cristã


Cerca de 12000 a 10000 a.e.c.Encontradas estatuetas de uma Deusa da Fertilidade; Pinturas rupestres na França e Espanha descrevem danças circulares e um Deus (ou um sacerdote representando um Deus) vestindo peles de animais e chifres;
Cerca de 6000 a.e.c. A Bretanha tornou-se uma ilha - anteriormente, era unida ao continente europeu;
De 6000 a 5000 a.e.c. Início da agricultura no Oriente; antes viviam da caça (isso significa que o conceito de fertilidade da terra foi acrescentado ao da fertilidade humana e dos rebanhos - assim, novos ritos e crenças foram adicionados à religião e à magia); A agricultura também trouxe ao paganismo a importância do Sol e da Lua na vida das pessoas (colheitas, ciclos, morte, renascimento etc.);

3000 a.e.c. Neolíticos começam a se estabelecer na Bretanha (povos que vieram do Norte da Ásia e, com isso, trouxeram consigo muitos cultos do Além Mundo, como por exemplo, de Ísis e Osíris no Egito, em seus conceitos essenciais);
3350 a.e.c. Zodíaco de Glastonbury;

2000 a.e.c. Povos do início da Idade do Bronze chegam à Bretanha atraídos pelas minas de estanho; Construção dos aterros circulares;

1800 a.e.c. Construção de Stonehenge e da maioria dos monumentos megalíticos;

1103 a.e.c.Refugiados de Tróia fundam Londres (data aproximada);

Século V a.e.c. Povos célticos da Idade do Ferro invadiram a Bretanha e ocuparam partes do sudeste. Trouxeram armas de ferro e utensílios, e acredita-se que tais povos trouxeram os druidas como seus sacerdotes, mas é possível que os druidas fossem sacerdotes de tribos ainda mais antigas;

55 a.e.c. Tentativa fracassada de Júlio César de conquistar a Bretanha;
43 d.e.c. Um exército romano desembarca na Bretanha e ocupa o país durante 40 anos;

61 d.e.c. A Revolta de Boudicca (Boadicea); Massacre dos druidas pelo Império Romano;
120 d.e.c. A Bretanha é incorporada ao Império Romano por meio de tratado;

324 d.e.c. Por decreto do Imperador Constantino, o Cristianismo torna-se a religião oficial do Império Romano;
410 d.e.c. Queda de Roma e fim do domínio romano na Bretanha;

553 d.e.c. O Conselho de Constantinopla declara a doutrina da reencarnação como sendo uma heresia;

597 d.e.c. Santo Agostinho traz o Cristianismo Papal para a Bretanha, agora extensivamente estabelecido entre os anglos, saxões e dinamarqueses;
607 d.e.c. Recusa dos cristãos célticos em reconhecer a supremacia de Roma; Massacre dos bispos célticos; Incêndio da biblioteca de Bangor;
Século VIII "Liber Poenitentialis", de Theodore, proíbe a prática da dança usando máscaras de animal, especialmente as de animais de chifres;
900 d.e.c. O Rei Edgar lamentou o fato de que os Antigos Deuses eram muito mais adorados em seus domínios do que o Deus cristão;

906 d.e.c.Regino, em seu "De Eclesiástica Disciplinis", apresenta o famoso "Canon Episcopi", denunciando as "mulheres más" que cavalgavam pela noite "com Diana, a deusa dos pagãos", obedecendo-a como uma deusa e sendo chamados ao seu serviço em certas noites. Esse texto serviu de autorização para a morte de milhares de pessoas;
1066: A conquista Normanda;
1090 a 1270: A era das Cruzadas que terminou em fracasso;
1100: Morte de William Rufus;
1207: Papa Inocêncio III começou a pregar as Cruzadas Albigenses, dirigidas contra os cátaros no Sul da França;
1290: Eduardo I expulsa os judeus da Bretanha;
1303: O Bispo de Coventry foi acusado de Bruxaria pelo papa;
1307 a 1314: Perseguição dos Cavaleiros Templários;
1316 a 1334: Período do papado de João XXII, autor de alguns dos primeiros decretos formais contra a Bruxaria;
1324: Julgamento de Dame Alice Kyteler pelo Bispo de Ossory. Ela refugiou-se na Bretanha, onde tinha amigos "bem colocados"; diziam que o Bispo era um deles e a julgou depois que esta cortou relações;
1349: Fundação da Ordem da Jarreteira por Eduardo III;
1406: Rei Henrique IV instrui o Bispo de Norwich a procurar e prender as bruxas e feiticeiros na sua diocese;
1430: Julgamento de Joana D'Arc;
1484: Bula Papal do Papa Inocêncio VIII, "Summis desiderantes affectibus", um ataque aos hereges e bruxas;
1486: Publicação do "Malleus Malleficarum", sinal da perseguição severa e difundida;
1541: A lei da Bruxaria foi aprovada no reinado de Henrique VIII. Isso indica que as bruxas eram reconhecidas como uma seita herética e confirma a velha história da "era das fogueiras”;
1547: A lei de Henrique VIII foi revogada por Eduardo VI;
1562: Outra lei da Bruxaria foi aprovada, no reinado de Elizabeth I. Na primeira ofensa, a punição era a exposição ao ridículo e, depois de três condenações, morte;
1563: O Parlamento da Rainha Mary, Rainha dos Escoceses, aprovou uma lei decretando morte às bruxas, o que resultou em uma média de 200 mortes por ano, durante um período de 39 anos. Durante os 9 primeiros anos, os números não chegavam a tanto, mas entre os anos de 1590 a 1593, as mortes chegaram a 400 por ano;
1584: Primeira edição de "Discoverie of Witchcraft", primeiro livro a abordar a Bruxaria de forma racionalista e longe dos absurdos pregados; James I ordenou que o livro fosse queimado;
1597: James VI da Escócia publicou em Edimburgo seu tratado de Demonologia e Bruxaria, o que significa apoio da realeza à caça às bruxas;
1604: A Lei da Bruxaria de James I, a mais severa já introduzida na lei civil inglesa. Havia uma lista de 3 mil bruxas que foram executadas e, a partir daí, o número de execuções anuais foi para 500 (apenas na Bretanha). Duraram muitos anos;
1644: Matthew Hopkins começou seu negócio como "General Caçador de Bruxas", transformando-o em uma carreira lucrativa, oferecendo 20 xelins por bruxa encontrada; em seguida, ele teve vários imitadores;
1681: Lançamento do livro "Sadducismus Triumphatus", em resposta à crescente descrença das pessoas mais instruídas a respeito da caça às bruxas; tinha-se tornado algo enfadonho;
1711: Último julgamento de Bruxaria na Grã-Bretanha. Jane Wenham foi julgada e considerada culpada pelo júri, condenada à morte, porém, o juiz não aceitou as provas e revogou o caso, libertando-a;
1722: Uma idosa foi queimada como bruxa em Domoch, na Escócia. Esta foi à última execução judicial na Escócia;
1735: No reinado de George II, a lei de Bruxaria de 1735, a qual dizia que, na verdade, a Bruxaria não existia e que ninguém deveria ser processado por isso no futuro, mas quem "fingisse" ter poderes paranormais deveria ser processado como impostor;
1749: Girolamo Tartarotti publicou o livro "Del Congresso Nottorno delle Lammie", afirmando que a Bruxaria era derivada do antigo culto a Diana e fez uma distinção entre esta e a magia cerimonial, que procurava conjurar demônios; foi um dos primeiros escritores a tomar essa linha;
1809: Velhas idéias ainda persistem na escócia, quando é publicado o Dicionário de Brown, dizendo que uma bruxa é aquela que tem ligações com o diabo;
1848: O Espiritualismo moderno foi fundado como resultado das investigações dos fenômenos produzidos pelas irmãs Fox na América (tais fenômenos já tinham ocorrido antes, mas jamais foram investigados). A Igreja denunciou o Espiritualismo como "diabólico”;
1857: Allan Kardec reintroduziu publicamente a antiga doutrina da reencarnação na Europa;
1892 a 1897: Dr. Charles Hacks e Gabriel Jogand publicaram na França uma série de "revelações acerca do Satanismo", com o máximo de sensacionalismo, mas nas quais o clero acreditava piamente. A maioria das descrições modernas de “Satanismo” é, na verdade, baseadas em tais "revelações”;
1921: A Dra. Margaret Alice Murray publica o famoso "Culto das Bruxas na Europa Ocidental", seguido de "O deus das Feiticeiras". Nesses livros, a autora declarou que a Bruxaria era o que restou das antigas religiões pagãs dos europeus, e não um culto ao diabo;
1939: Data aproximada em que Gardner começou a praticar Bruxaria;
1948: Publicação de "A Deusa Branca", de Robert Graves, sobre as culturas de culto à Deusa;
1949: Gerald Gardner, sob o pseudônimo "Scirce", publicou um romance histórico chamado "High Magic's Aid". Pelo que consta, era o primeiro livro escrito por um bruxo iniciado;
1951: Revogação das últimas leis anti-Bruxaria na Inglaterra;
1954: Publicação do livro "A Bruxaria Hoje", de Gerald Gardner, o primeiro livro falando realmente sobre quem eram as bruxas e o que faziam;
1955: Uma mulher foi queimada como bruxa no México, a 85 milhas do Texas, sob as ordens de um sacerdote local, realizada pela polícia da cidade;
1963: Iniciação de Raymond Buckland no coven de Gardner;
1963 a 1965: Introdução da Wicca nos Estados Unidos por Raymond Buckland;
1964: A Wicca Alexandrina, ramificação da Gardneriana, entra nos Estados Unidos;
1971: Publicação do livro "Witchcraft From Inside",d e Raymond Buckland; no mesmo ano, foi publicado o livro "What Witches Do", dos Farrar;

1974: Publicação do "Livro das Sombras" de Lady Sheeba, uma versão do BOS gardneriana; no mesmo ano, Raymond Buckland publica "The Three", afirmando que não existe nenhum problema em um bruxo iniciar a si mesmo e montar um coven, mesmo sem estar preparado para tal; depois deste livro, outros sugerindo o "como se iniciar" surgiram no mercado, aproveitando a onda;
1975: Início dos festivais pagãos, tais como o Pagan Spirit Gathering e o Pan Pagan, que duram até hoje; outros festivais foram surgindo durante a década seguinte;
1979: Publicação de "Dança Cósmica das Feiticeiras", de Starhawk;
1996: Estréia do filme "Jovens Bruxas", inspirado na religião Wicca;
1996: Estréia o filme “The Crucible”, que é a história de AS BRUXAS DE SALEM se passa em Massachusetts no ano de 1692.
1997: Lançamento da série Harry Potter que, junto com a Internet, impulsionou um verdadeiro boom de buscas e informações sobre Bruxaria no mundo cada vez por mais pessoas;
1998: Estréia o filme “Da Magia à Sedução”, duas jovens bruxas carregam o fardo de uma maldição imposta pela mãe à família, depois de ter o coração partido por um amante: todos os homens por quem seus descendentes se apaixonassem deveriam morrer. Assim, quando um dos pretendentes de Gillian morre, Sally, sua irmã mais certinha, deve ajudá-la com os problemas com a polícia.
1999: Estréia o filme “Tentação Fatal”.
2001: Estréia “Brumas de Avalon”.
2003: Estréia o filme “Bruxas de Salem”, 1691, Salem, Colônia de Massachusetts.
2005: Estréia o filme “Little Oberon”, acompanhada da filha adolescente Natasha, Georgie, uma Bruxa assumida, volta a Little Oberon para visitar sua mãe que está com câncer. Lá são recebidas com desconfiança, curiosidade e malícia.

Voz Interior

Fazendo uma retrospectiva histórica e mitológica do papel da mulher ao longo dos tempos, constatamos seu papel milenar como mediadora entre os planos divino e humano. Desde os primórdios da humanidade, coube às mulheres a responsabilidade de perceber os avisos, os sinais e as manifestações sobrenaturais e transmiti-los à comunidade.
Durante os milênios em que Deus foi Mulher, as mulheres, as representantes da Deusa na Terra, foram respeitadas por seu poder de conceber e nutrir a vida e por sua profunda conexão com os planos sutis.
As mulheres eram regidas pela Lua e a ela estavam conectadas por meio de seus ciclos menstruais. Considerada uma representação da Deusa, a Lua era honrada pelas mulheres por meio de reuniões, em sua fase menstrual, nas quais dedicavam-se à introspecção, ao silêncio, à cura e à conexão com o divino. Esse retiro visava não somente a renovação e o fortalecimento pessoal, mas era também uma oportunidade de trabalhar em benefício da comunidade.
A percepção sutil intrínseca à natureza feminina tornava-se muito mais ampla e aguçada durante a menstruação, permitindo às mulheres atravessarem mais facilmente os véus que separam os mundos. Ao retornarem de seu isolamento, as mulheres traziam mensagens e orientações dos ancestrais, dos seres da natureza e da Deusa, sendo assim reconhecidas e honradas como porta-vozes do além.
Nas culturas matriarcais do período neolítico, a mulher continuava desempenhando sua função de intermediária entre o sagrado e o profano, fosse como sacerdotisa, profetisa ou visionária.
Ao visitar lugares sagrados em Malta, Sicília, Creta e Grécia, pode-se comprovar a existência de inúmeras câmaras oraculares, de nichos para sonhos incubatórios e de janelas especiais nas paredes dos inúmeros templos, onde a comunidade ia para ouvir a voz da Deusa manifestada em suas sacerdotisas.
Localizado na Grécia, em Delphi, o mais famoso oráculo do mundo antigo era dedicado a Python, a grande serpente sagrada, filha da Terra que personificava o espírito profético de Gaia. Lá, após rigorosas purificações e preparações, as sacerdotisas oraculares, chamadas pitonisas entravam em transe e transmitiam as mensagens para todos aqueles que as procuravam. Mesmo após a usurpação do templo pelos sacerdotes de Apollo, o oráculo continuou sendo atributo das sacerdotisas, pois Python transmitia seus segredos apenas às mulheres.
Com o advento das sociedades patriarcais, as mulheres perderam seus direitos, sendo dominadas, subjugadas e silenciadas. No Império Romano, as mulheres ainda desempenhavam funções sacerdotais, mas foram excluídas da vida social, não tendo permissão para estudar ou para falar em público. A educação era reservada apenas às cortesãs, para que pudessem entreter os homens com sua erudição. O cristianismo, por meio de seus dogmas, proscrições e proibições, marginalizou e aniquilou definitivamente os valores femininos, excluindo as mulheres do sacerdócio, relegando-as às funções procriadoras e ao serviço do lar, da família e da comunidade.
Por não ter sido criada à imagem e semelhança de deus, mas da costela do homem, por ter tentado comer da Árvore do Conhecimento e por ter sido castigada com a expulsão do paraíso, a mulher tornou-se a origem de todos os males infligidos à humanidade, a fonte do pecado, do mal e da luxúria.
A conseqüência foi sua total desconsideração, passando a ser julgada incapaz de pensar e proibida de falar. A repressão religiosa, familiar e social colocou vendas nos olhos e mordaças na boca das mulheres, que, outrora, representavam a origem da vida e a fonte da sabedoria.
Após os horrores da Inquisição, as mulheres levaram ainda alguns séculos para emergir da escuridão, até que, no início do século passado, conseguiram recuperar o direito de falar, trabalhar e votar. O século XX pode ser considerado a retificação dos dezenove séculos de opressão e silêncio forçado, facilitando a compreensão do movimento feminista como um pêndulo oscilando entre dois extremos.
Ávidas por expressão, as mulheres foram à luta na tentativa de recuperar o tempo perdido. Hoje ninguém mais duvida de sua capacidade, seja na área social, política, econômica ou científica, seja na área literária, artística, terapêutica ou mística. Pagando o alto preço da jornada dupla ou tripla de trabalho, a mulher saiu do anonimato e está conquistando um lugar ao sol, competindo de igual para igual com os homens. E é neste ponto que o pêndulo perde seu equilíbrio: as mulheres, ao assumir características que não são intrínsecas à sua natureza, imitando o comportamento e apropriando-se dos valores ou do linguajar masculino, exageram sua auto-afirmação e querem ser ouvidas a qualquer custo.
Talvez por isso a mulher fale demais, esquecendo-se que somente no silêncio pode ser ouvida sua voz interior; que sua força não vem da agressividade ou da combatividade, mas sim da compreensão, da sensibilidade, da criatividade, da ponderação e da sabedoria. Por mais que o mundo exterior a solicite, pressione ou agrida, a mulher moderna precisa relembrar como se proteger e como se fortalecer, buscando dentro de si seu verdadeiro eu, ouvindo sua sabedoria inata e expressando, com convicção e competência, seu potencial de maga: saber, querer, ousar... e calar.

29 novembro, 2009

Aonde está a Deusa Brasileira?

O Brasil é o país que concentra um grande número de pessoas que cultuam uma das manifestações da Grande Mãe, como Iemanjá, a Deusa das Águas, Senhora do Mar. Só perde para a Índia, onde inúmeras deusas são cultuadas até hoje.
Anualmente, às vésperas do Ano Novo e no dia dois de fevereiro, milhões de pessoas levam suas oferendas e orações para as praias brasileiras, ou saem em procissões marítimas ou fluviais, similares às antigas cerimônias egípcias e romanas.
Apesar da devoção brasileira a Iemanjá, seu culto não é nativo, ele foi trazido ao Brasil no século XIII pelos escravos da nação ioruba.
Yemojá ou YéYé Omo Ejá, a “Mãe cujos filhos são peixes”, era o orixá dos Egbá, a nação ioruba estabelecida outrora perto do rio Yemojá, no antigo reino de Benin. Devido a guerras, os Egbá migraram e se instalaram às margens do rio Ogun, de onde o culto a Iemanjá foi trazido pelos escravos para o Brasil, Cuba e Haiti.
Nesses países, Iemanjá passou a ser venerada como a “Rainha do Mar”, orixá das águas salgadas, apesar de sua origem ter sido “o rio que corre para o mar”, sua saudação sendo Odo-Yiá, que significa “Mãe do Rio”.
Analisando os nomes Ya / man / Ya e Ye / Omo / Ejá conforme a “Lei de Pemba” – a grafia dos orixás, postulada pela Umbanda, encontram-se os mesmos vocábulos sagrados que significam “Mãe das águas, Mãe dos filhos da água (peixes) e Mãe Natureza”.
Iemanjá é considerada o princípio gerador receptivo, a matriz dos poderes da água, a representação do eterno e Sagrado Feminino. Portanto, Iemanjá personifica os atributos da Grande Mãe, de padroeira da fecundidade e da gestação, inspiradora dos sonhos e das visões, protetora e nutridora, mãe que sustenta, acalenta e mitiga o sofrimento dos seus filhos de fé.
No entanto, por mais que Iemanjá seja reconhecida e venerada no Brasil, ela não representa a Mãe Ancestral nativa, que tenha sido cultuada pelas tribos indígenas antes da colonização e da chegada dos escravos.
Infelizmente, pouco se sabe a respeito das divindades e dos mitos tupi-guarani. A cristianização forçada e a proibição pelos jesuítas de qualquer manifestação pagã, destruiu ou deturpou os vestígios de Tuyabaé-cuáa, a antiga tradição indígena, a sabedoria dos velhos pajés.
Segundo o escritor umbandista W.W. da Matt, a raça vermelha original tinha alcançado, em uma determinada época distante, um altíssimo patamar evolutivo, expresso em um elaborado sistema religioso e filosófico, preservado na língua-raiz chamada Abanheengá, da qual surgiu Nheengatu, origem dos vocábulos sagrados dos dialetos indígenas.
Com o passar do tempo, a raça vermelha entrou em decadência e, após várias cisões, seus remanescentes se dispersaram em diversas direções. Deles se originaram os tupi-nambá e os tupi-guarani, que se estabeleceram em vários locais na América do Sul.
As concepções do tronco tupi eram monoteístas, postulando a existência de uma divindade suprema, um divino poder criador (Tupã) que se manifestava por intermédio de Guaracy (Sol) e Yacy (Lua) que, juntos, geraram Rudá (Amor) e, por extensão, a humanidade. O culto a Guaracy era reservado aos homens, que usavam os tembetá, amuletos labiais em forma de T, enquanto as mulheres veneravam Yacy e Muyrakitã, uma deusa das águas, e usavam os amuletos em forma de batráquios e felinos, pendurados no pescoço ou nas orelhas.
Guaracy era a manifestação visível e física do poder criador representado pelo Sol. Apesar deste astro ser considerado o princípio masculino na visão dualista atual, a análise dos vocábulos nheengatu do seu nome revela sentido diferente. Guará significa “vivente”, e cy é “mãe”, o que formaria a “Mãe dos seres viventes”, a força vital que anima todas as criaturas da natureza, a luz que cria a vida animal e vegetal. Também em outras tradições e culturas (japonesa, nórdica, eslava, báltica, australiana e norte americana), o Sol era considerado uma Deusa, o que nos faz deduzir que, para os tupi, a vida e a luz solar provinham de uma Mãe - Cy - que só mais tarde foi transformada em Pai.
Yacy era a própria Mãe Natureza, seu nome sendo composto de Ya (senhora) e Cy (mãe), a senhora Mãe, fonte de tudo, manifestada nos atributos da Lua, da água, da natureza, das mulheres e das fêmeas.
Cy - ou Ci - representa, portanto, a origem de todas as criaturas, animadas ou não, pois tudo o que existe foi gerado por uma mãe que cuida da sua preservação, do nascimento até a morte. Sem Cy (mãe), não há nem perdura a vida, pois ela é a Mãe Natureza, o principio gerador e nutridor da vida.
Na língua tupi existem váris nomes que especificam as qualidades maternas: Yacy, a Mãe Lua; Amanacy, a mãe da chuva; Aracy, a mãe do dia, a origem dos pássaros; Iracy, a mãe do mel; Yara, a mãe da água; Yacyara, a mãe do luar; Yaucacy, a mãe do céu; Acima Ci, a mãe dos peixes; Ceiuci, a mãe das estrelas; Amanayara, a senhora da chuva; Itaycy, mãe do rio da pedra, e tantas outras mães – do frio e do calor, do fogo e do ouro, do mato, do mangue e da praia, das canções e do silêncio. As tribos indígenas conheciam e honravam todas as mães e acreditavam que elas geravam seus filhos sozinhas, sem a necessidade do elemento masculino, atribuindo-lhes a virgindade - o que também em outras culturas simbolizava sua independência e auto-suficiência. Em alguns mitos e lendas, as virgens eram fecundadas por energias luminosas em forma de animais (serpente, pássaro, boto), forças da natureza (chuva, vento, raios), seres ancestrais ou divindades.
A explicação da omissão, na mitologia indígena, do elemento masculino na criação era o desconhecimento do papel do homem na geração da criança, além do profundo respeito e reverência pelo sangue menstrual que, ao cessar “milagrosamente”, se transformava em um filho. Somente pela interferência dos colonizadores europeus e pela maciça catequese jesuíta que, na criação do homem, o pai assumiu um papel preponderante, o filho tornou-se o segundo na hierarquia, salvador da humanidade - como Jurupary, e à Mãe coube apenas a condição de virgem. Porém, apesar do zelo dos missionários para erradicar os vestígios dos cultos nativos da cultura indígena e dos escravos, muitas de suas tradições sobrevivem nas lendas, nos costumes folclóricos, nas práticas da pajelança e encantaria que estão ressurgindo, cada vez mais atuantes, saindo do seu ostracismo secular.
Um outro arquétipo da Mãe Ancestral é descrito no mito amazônico da Boiúna, a Cobra Grande, dona das águas dos rios e dos mistérios da noite. Apresentada como um monstro terrível que vive escondido nas águas escuras do fundo do rio e ataca as embarcações e pescadores, a Boiúna ou Cobra Maria é, na verdade, a Face Escura da Deusa, a Mãe Terrível, a Ceifadora, que tanto gera a vida no lodo como traz a morte, no eterno ciclo da criação, destruição, decomposição e transformação.
Outro aspecto da Mãe Escura é Caamanha, a “Mãe do Mato”, que protege as florestas e os animais silvestres, e pune, portanto, os desmatamentos, as queimadas e a violência contra a Natureza. Pouco conhecida, ela foi transformada em dois personagens lendários: Curupira e Caapora.

Descritos como seres fantasmagóricos, peludos, com os pés voltados para trás, às vezes com um aspecto feminino, são os guardiões das florestas, que levavam os caçadores e invasores do seu habitat a se perderem nas matas, punindo-os com chicotadas, pesadelos ou até mesmo a morte.
Nas lendas guarani relata-se a aparição da “Mãe do Ouro”, que surge como uma bola de fogo ou manifesta-se nos trovões, raios e ventos, mostrando a direção da mudança do tempo.
Em sua representação antropomórfica, ela torna-se uma linda mulher que reside em uma gruta no rio, rodeada pelos peixes e de onde se estende nos ares como raios luminosos, ou então surge na forma de uma serpente de fogo, punindo os destruidores das pradarias. Em sua versão original, ela era considerada a guardiã das minas de ouro, que seduzia os homens com seu brilho luminoso, afastando-os das jazidas. Seu mito confunde-se com o do Boitatá, uma serpente de contornos fluídicos, plasmada em luz com dois imensos olhos, guardando tesouros escondidos, reminiscência dos aspectos punitivos da Mãe Natureza, defendendo e protegendo suas riquezas.
A deturpação cristã do mito punitivo pode ser vista na figura da “Mula sem Cabeça”, metamorfose da concubina de padre, que assombra os viajantes nas noites de sexta-feira (dia dedicado, nas culturas pagãs, às deusas do amor, como Astarte, Afrodite, Vênus, Freyja) e do Teiniágua, lagarto encantado que se transforma em uma linda moça para seduzir os homens, desviando-os dos seus objetivos.




Quanto ao significado de Muyrakitã, devemos decompor seu nome em vocábulos para compreender sua simbologia feminina: Mura - mar, água; Yara - senhora, deusa; Kitã - flor. Podemos então interpretá-lo como “A deusa que floriu das águas” ou “A Senhora que nasceu do mar”. Esta divindade aquática, considerada a filha de Yacy, era reverenciada pelas mulheres que usavam amuletos mágicos chamados ita-obymbaé, confeccionados com argila verde, colhida nas noites de Lua Cheia no fundo do lago sagrado Yacy-Uaruá (“Espelho da Lua”), morada de Muyrakitã.
Esses preciosos amuletos só podiam ser preparados pelas ikanyabas ou cunhãtay, moças virgens escolhidas desde a infância como sacerdotisas do culto de Muyrakitã - vetado aos homens. Nas noites de Lua Cheia, as cunhãtay, devidamente preparadas, esperavam que Yacy espalhasse sua luz sobre a superfície do lago e, então, mergulhavam à procura da argila verde. A preparação das virgens incluía jejum, cânticos e sons especiais, além da mastigação de folhas de jurema, uma árvore sagrada que contém um tipo de narcótico que facilitava as visões. Enquanto as cunhãs mergulhavam, as outras mulheres ficavam nas margens do lago entoando cânticos rítmicos ao som dos mbaracás. Depois de “recebida” a argila das mãos da própria Muyrakitã, ela era modelada em discos com formato de animais, sendo deixado um pequeno orifício no centro. Em seguida, todas as mulheres realizavam encantamentos mágicos, invocando as bênçãos de Muyrakitã e Yacy sobre os amuletos, até que Guaracy, o Sol, nascia, solidificando a argila com seus raios.
Esses amuletos, que ficaram conhecidos com o nome de muiraquitã, tinham cor verde, azul ou cor de azeitona e eram usados no pescoço ou na orelha esquerda das mulheres. Acreditava-se que eles conferiam proteção material e espiritual e que podiam ser utilizados para prever o futuro, nas noites de Lua Cheia, depois de submersos na água do mesmo lago e colocados na testa das cunhãs, invocando-se as bênçãos de Yacy e Muyrakitã.
O muiraquitã é conhecido como um talismã zoomorfo, geralmente em forma de sapo, peixe, serpente, tartaruga ou de felinos, talhado em pedra, bem polido, ao qual se atribuíam poderes mágicos e curativos. Foram encontrados vários deles na área do baixo Amazonas, entre as bacias dos rios Trombetas e Tapajós, sendo chamados de “pedras verdes das Amazonas”.
Poderia ser uma confirmação do mito das Amazonas ou Ycamiabas, as “mulheres sem homens”, como foram chamadas pelo padre Carvajal, da expedição de Francisco de Orellana, em 1542. Os relatos as descrevem como mulheres altas, belas, fortes e destemidas, longos cabelos negros, trançados, tez clara, que andavam despidas e utilizavam com maestria o arco e a flecha para guerrear e caçar. Diz a lenda que elas escolhiam anualmente homens para serem os pais de seus filhos, presenteando-os com muiraquitãs. Outras fontes afirmam que elas usavam ornamentos de pedras verdes esculpidos em forma de animais como objetos de troca com visitantes ou tribos vizinhas.
Os missionários atribuíam aos índios tapajós a origem dos muiraquitãs, mas eles eram apenas seus portadores, não os fabricantes, exibindo-os como símbolos de poder ou riqueza, ou ainda como compensação na realização de ritos fúnebres, nas cerimônias de casamento ou para selar alianças e acordos de paz entre as tribos.
Ocultos em mitos, lendas e crenças, existem ainda muitos resquícios das antigas tradições e cultos indígenas. Descartando as sobreposições e distorções cristãs e literárias, poderemos resgatar a riqueza original das diversas e variadas apresentações da criadora ancestral brasileira, Mãe da natureza e de tudo o que existe, que existiu e sempre existirá. Cabe aos estudiosos e pesquisadores atuais desvendar os tesouros históricos do passado indígena brasileiro, com isenção de ânimo e sem distorções, em uma sincera dedicação e lealdade à verdade original, para oferecer às nossas mentes as provas daquilo que os nossos corações femininos sempre souberam, ou seja, "que a Terra é a nossa Mãe, que nos tempos antigos os seres humanos veneravam e oravam para uma Criadora, que abria os portais da vida e da morte, cujos templos eram a própria Natureza, que somos todos irmãos por sermos seus filhos, interligados por fazermos parte da teia da Sua Criação”.